Artigo retirado da Revista Educação -
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/174/artigo236301-1.asp - Formação Docente – Setembro/2011 – Capa – Edição 174
Principal instrumento de aferição na escola,
avaliação escrita ainda é pouco entendida por docentes brasileiros; falta de
debate sobre resultados compromete processo de ensino e aprendizagem
A prova
de Geografia começa e logo o aluno de ensino fundamental se depara com a
seguinte questão: "o que é depressão?". A resposta vem imediata e
constrange o professor: "é aquela doença que minha mãe tem e precisa tomar
remédio". Em outra escola, o docente chega com o maço de provas.
Começa a chamar os alunos para receber as notas, com um detalhe: a chamada
acontece em ordem decrescente de desempenho, o que instaura uma espécie de
terror na sala de aula.
Ambas as
situações são reais e estão descritas no estudo Prova: um instrumento avaliativo
a serviço da regulação do ensino e da aprendizagem, realizado pela pesquisadora
Dirce Aparecida Foletto de Moraes, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Os casos, que não são isolados, mostram como permanece profundo o abismo entre
a teoria e as práticas da avaliação. Além disso, indicam que a prova escrita,
principal recurso do qual o professor lança mão para se informar sobre o
desempenho dos seus alunos, frequentemente é elaborada sem os pré-requisitos
necessários para se configurar como um bom instrumento de avaliação.
O estudo
foi publicado na última edição da revista científica Estudos em Avaliação
Educacional, da Fundação Carlos Chagas, e joga luzes sobre um tema
relativamente pouco estudado na academia e insuficientemente trabalhado nos
programas de pedagogia e de formação continuada. Afinal, se é verdade que a
avaliação é um componente essencial no processo de ensino e aprendizagem, e se
o professor tem na prova seu instrumento mais rotineiro, torna-se urgente
aprimorar o uso desse recurso, tanto na compreensão mais ampla do que ele
representa, como na própria elaboração do instrumento.
Não que
não haja interesse. O matemático Tadeu da Ponte, diretor do instituto de
avaliação Primeira Escolha, responsável, entre outros, pelo vestibular do Ibmec,
vem realizando palestras em todo o país sobre o tema da prova, sempre para
auditórios lotados. "É preciso lembrar que esta não é mesmo uma questão
simples, e o professor precisa ser preparado para saber avaliar", diz.
Perspectiva histórica
O primeiro passo é, exatamente, compreender o
princípio do que se está fazendo. Afinal, o que é uma prova? Ela é mesmo um bom
instrumento? Por que se tornou um sinônimo de avaliação? Segundo o autor
Cipriano Luckesi, uma das referências no tema no Brasil, a prova surgiu ainda
no século 16, na Europa, como um recurso de coleta de dados sobre o desempenho
do educando. "Esse recurso recebeu o nome de ''''prova'''' e permaneceu
com essa denominação até hoje. É o mais comum e cotidiano instrumento usado em
sala de aula", diz Luckesi. Boa parte de seu sucesso se explica pela
eficácia de reunir informações sobre um conjunto grande de alunos. Na Idade
Média, não havia necessidade de testes escritos, devido a pouco número de
aprendizes. "O mestre convivia diretamente com todos, podia observá-los,
conversar, observar diretamente seu desempenho", lembra. Mas veio o tempo
em que se tornou necessário o ensino para muitos e a demanda por um recurso
eficiente para que o professor pudesse conhecer o desempenho de todos - e assim
nasceu a prova.
Para a
pesquisadora Dirce de Moraes, há outros fatores que fizeram com que o teste se
tornasse um instrumento predominante ao longo dos séculos. Ele documenta e
comprova o conhecimento, possibilitando a representação final por um valor
numérico, que retrataria a aprendizagem daquele que foi avaliado. Para Dirce,
hoje muitos professores simplesmente não conseguem acompanhar a aprendizagem do
aluno sem lançar mão da prova. "Os educadores até buscam novos caminhos,
mas, por desconhecerem as diferentes ferramentas ou por sentirem-se inseguros,
garantem-se na prova como instrumento comprobatório", diz.
Críticas
A prova também se tornou um meio de comunicação
entre famílias, crianças e escola. Basta ver que é muito mais frequente um pai
perguntar a um filho ''''como foi na prova'''', do que ''''o que você
aprendeu''''. Provavelmente, o abandono dos testes escritos causaria um
terremoto na confiança que as famílias depositam na escola. Por fim, diz a
pesquisadora, até mesmo entre os alunos a prova se tornou um instrumento de
status, induzindo uma hierarquia em sala de aula. "A nota da prova leva a
distinções entre melhores e piores, entre aqueles que têm potencial e os que
seguem para o fracasso", diz. Nesse sentido, práticas docentes como dar a
nota em voz alta estimulam essa visão.
Mas essa é apenas uma
das críticas direcionadas à avaliação. Uma delas diz respeito aos usos
inadequados dos instrumentos, especialmente por seu caráter de controle da
classe e de poder do professor sobre o aluno. Outro questionamento é a
confusão entre avaliar e fazer prova. "A prova em si não avalia nada, só
oferece subsídios para o professor analisar as aprendizagens dos alunos",
diz Dirce. "Avaliar é tudo o que acontece antes da nota", reforça Luckesi.
Mas, tudo isso não significa que a prova seja um mal em si, alertam os
pesquisadores. A questão é que ela precisa ser adequadamente aplicada. A
começar do mais óbvio: uma prova escrita é útil quando se restringir às
competências lógico-verbais. Ou seja, pode-se fazer uma prova escrita sobre
história da arte, mas não sobre as habilidades de um artista. Por isso mesmo,
há diversas outras situações na vida escolar que requerem outros instrumentos
de avaliação - como produções, portfólios, apresentações e outras formas de
levantar informações sobre a aprendizagem.
Encaminhamentos
Para Tadeu da Ponte, a elaboração de um bom
instrumento de avaliação começa pela intencionalidade. E essa é a primeira
dificuldade, pois requer que o professor inverta a lógica com a qual trabalha
cotidianamente. "O docente olha para o cronograma, vê o calendário, o
tempo de prova e de correção, pensa no que foi trabalhado ao longo de certo
período", diz Tadeu. "Mas, para uma boa prova, precisamos pensar de
trás para a frente e perguntar o que queremos que o aluno tenha de fato
aprendido", sugere.
A partir
desse princípio, o educador deve ter presente que a prova é um indicador, uma
informação, como um sinal de trânsito, que precisa, portanto, ser interpretada,
e não meramente corrigida. "A questão da prova precisa indicar algo; o
erro tem de indicar algo", enfatiza o especialista. Portanto, para
ele, a primeira providência antes mesmo de escrever as questões é colocar no
papel a descrição da prova, quais conteúdos, quais competências se quer avaliar
- tecnicamente, trata-se de estabelecer os descritores. Isso vai determinar, em
grande medida, a formulação das questões e a estrutura do exame.
O
desenvolvimento das questões é um dos pontos que mais atrapalham os
professores, não apenas pela falta de clareza de que conteúdos mais relevantes
devem ser avaliados, mas pela própria linguagem. "Com frequência, a
linguagem utilizada não é clara e precisa, deixando o aluno em dúvida sobre o
que o professor realmente quer como resposta", diz Vasco Moretto, autor do
livro Prova: um momento privilegiado de estudo, em que analisou mais de 8 mil
provas recolhidas em todo o Brasil.
Clareza
Um dos males mais
comuns dos testes escritos aplicados nas escolas brasileiras é, segundo
Moretto, a falta de parâmetros claros para a correção. Ao utilizar perguntas
genéricas como "Comente, dê sua opinião", o professor automaticamente
está dando carta branca para todo tipo de resposta. "O comando deve estar
muito claro", confirma Tadeu da Ponte. A clareza da questão, a
adequação do vocabulário à faixa etária e a objetividade também são atributos
de uma boa prova. "Muitas vezes, o professor faz uma questão com quatro ou
cinco temas embutidos,
porque acha que poderia ser bom perguntar também isso e aquilo. Isso, no
entanto, só dificulta a análise posterior", analisa Tadeu.
Terminada
a questão, mande-se imprimir? Nada disso. Um protocolo comum nas instituições
que elaboram exames deve ser seguido. O primeiro é reler a questão que se
escreveu. Parece básico, mas a falta desse procedimento explica a grande
quantidade de erros de gabarito ainda encontrados. Aliás, erros de gramática
identificados pelos alunos podem até desacreditar o instrumento e desmoralizar
o professor diante da turma.
Outro engano comum é o uso de gráficos e ilustrações coloridas. Muitas vezes,
os professores fazem provas com belas imagens, mas esquecem que ainda ela será
reproduzida - talvez por uma máquina que imprima em branco e preto, com péssima
definição e ainda em formato reduzido. Isso faz com que a compreensão das
questões pelo aluno seja muito prejudicada. Por fim, para Tadeu, a cada
releitura, o professor deve procurar ver se era possível perguntar a mesma
coisa com menos palavras. A objetividade é um parâmetro de qualidade e permite
melhores resultados no teste. "Muitas vezes dizemos que nossos alunos são
prolixos e pouco objetivos, mas as próprias questões induzem a isso",
avalia o matemático.
Conteúdos versus habilidades
A partir de 1997, professores passaram a lidar com
a preocupação de contextualizar as questões, especialmente nos grandes
vestibulares, incluindo o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Isso tem a ver
diretamente com a concepção de aprendizagem significativa, originada
especialmente das ideias do psicólogo norte-americano David Ausubel. O conceito
remete à necessidade de estabelecer relações entre as aprendizagens prévias e a
busca de conexões com a realidade do aluno. Para Vasco Moretto, uma
característica típica da boa prova é, justamente, sua capacidade de estimular a
aprendizagem significativa, o que requer a contextualização do que está sendo
perguntado, por exemplo, por meio de um texto anterior.
Não se
trata de um desafio simples, até porque nas escolas há uma clara dissociação
entre os "saberes escolares" e a vida real. Mas, ainda que seja
difícil desenvolver um teste que traga tais qualidades, é possível tornar a
prova interessante, no entender de Tadeu da Ponte. "A contextualização
não implica sempre que a questão deve ter a ver com a vida do aluno, mas que
ele será provocado a pensar para resolver o problema, talvez de uma forma a que
não está habituado", diz. Esse princípio automaticamente inibe a
prática da memorização de respostas e procedimentos, o que deve ser, em última
instância, preservado, em sua perspectiva.
Ao mesmo
tempo, a memorização, que é considerada um método ultrapassado de aprendizagem
por muitos educadores, não pode ser esquecida. Em janeiro deste ano, a revista
acadêmica norte-americana Science publicou um estudo que apontou que a
"decoreba" pode impactar positivamente no desempenho dos estudantes.
Realizada pelo psicólogo Jeffrey Karpicke, ligado à Universidade de Purdue, no
Estado de Indiana, a pesquisa envolveu 200 jovens universitários. Os alunos
estudaram textos científicos de duas formas. A primeira os estimulou a fazer
elaborações sobre o conteúdo que aprenderam, com o texto em mãos. A outra
simplesmente os afastou do texto, na tentativa de recuperar o máximo de
informação por meio da memória.
Os jovens que exercitaram a memória em vez de estudar com o texto à sua frente
apresentaram resultado 50% superior em provas aplicadas. Segundo o estudo, a
memorização ajudou os alunos a responder questões que exigiam deduções mais
complexas e cruzamento de informações. A hipótese de Karpicke para explicar os
resultados aponta que o processo de relembrar não envolveria apenas o resgate
de informações já arquivadas no cérebro, mas também de reconstrução do que foi
armazenado, o que obrigaria o órgão a reorganizar o assunto e priorizar
determinados tópicos. "Não podemos nos levar por preconceitos. Há, de
fato, conhecimentos que precisam ser memorizados. Por outro lado, devemos
procurar oferecer situações-problema que levem o aluno a se apropriar desses
conteúdos, tornando-se capaz de pensar de forma diferente, conforme os
contextos que se apresentam", opina Tadeu da Ponte.
Formação
O desenvolvimento de
bons instrumentos de avaliação vem sendo tratado nas universidades quase sempre
do prisma teórico. Contudo, os professores se sentem desamparados e
desorientados na escola, como demonstrou a pesquisa empreendida por Dirce
Moraes. Visitando escolas e conversando com professores, Dirce percebeu que não
havia qualquer orientação em relação à elaboração das provas, à correção e às
tomadas de decisão após os resultados. "Cada professor fazia da forma como
achava certo", conta. Entre alguns bons exemplos, Dirce encontrou questões
simplesmente retiradas de livros, enfatizando somente a memorização, sem
preocupação de contextualizar as perguntas.
Na verdade, como demonstra a pesquisadora Bernadete Gatti, da
Fundação Carlos Chagas (FCC), em seu livro Professores do Brasil - Impasses e
Desafios, no qual analisou currículos de cursos de pedagogia de todo o país,
muitas vezes o docente reproduz práticas que encontrou na graduação. Nas
faculdades, o método mais comum de avaliação é a prova escrita, como a que
posteriormente ele proporá aos seus alunos. O problema é que as consequências
desse despreparo remetem diretamente a questões graves da educação brasileira,
como o fracasso escolar.
"Um trabalho sistemático com a orientação dos professores, a formação
continuada e conscientização sobre a responsabilidade de cada um no processo
colaboram significativamente com o sucesso do aluno, distanciando-o do fracasso
escolar", diz.
Distorções
Um estudo importante nesse sentido foi desenvolvido
por Ricardo Madeira, da Faculdade de Economia e Administração (FEA), na USP, há
três anos. Comparando as notas do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do
Estado de São Paulo (Saresp) e as atribuídas pelos professores em sala, Madeira
encontrou distorções reveladoras. Percebeu, por exemplo, que enquanto no Saresp
as notas distribuem-se na forma de um sino, ou seja, mais ou menos igualmente,
nas classes tendem a se aglutinar. "O professor tende a dar nomes iguais
para alunos diferentes", diz.
A
pesquisa mostrou que os testes que constantemente ranqueiam os alunos para
baixo podem desmotivar e causar o abandono. "A prova traz uma influência
importante sobre a decisão dos alunos", diz. Para ele, o descolamento
entre as notas do professor e do Saresp pode indicar simplesmente que os
docentes reconhecem que a prova não é um instrumento perfeito, o que reforça a
necessidade de se utilizar variados instrumentos de avaliação. Mas há ainda
outros aspectos importantes que ligam a cultura do exame escrito aos problemas
de aprendizagem. Um dos principais é justamente sobre o que se costuma fazer
com os resultados dos testes. Quase sempre, nada.
O
pesquisador Luckesi chama a atenção para o fato de que a simples atribuição de
valores numéricos não significa que houve um processo de avaliação formativa,
ou seja, que produza reflexos sobre a aprendizagem. A prova deveria ser o
primeiro passo, e não o final, de um processo como esse. Há muito a ser feito,
como identificar e trabalhar com as turmas sobre pontos que se mostraram
difíceis, ou como lançar um olhar mais individual para o desenvolvimento de
cada aluno. "O feedback possibilita que ele se situe em relação às
aprendizagens, tenha condições de entender e não apenas constatar seus erros e
acertos. É preciso refletir, propor situações em que o aluno possa compreender
o que fez e o que deixou de fazer em relação ao que foi proposto", enfatiza
Dirce.
O argumento dos
professores - e não desprovido de razão - é o problema do número de estudantes
em sala, que inviabiliza um tratamento individualizado. "É possível que
não consiga atender a todos, mas se propuser diferentes situações em que os alunos
possam trabalhar na superação das dificuldades constatadas, isso vai
contribuindo para o avanço. O que não pode acontecer é a prova apenas atestar a
competência ou a incompetência do indivíduo com uma nota", alerta a
pesquisadora. Tratar a prova como uma reta de chegada é como
olhar o termômetro e se satisfazer com o que ele indica, sem procurar as causas
da febre. Para Luckesi, a preocupação única com aprovação ou reprovação acaba
por afastar o gestor e o professor daquilo que ele efetivamente procura ao
propor um teste - ou seja, encontrar dados para as decisões que terá de tomar,
decisões que podem influenciar o futuro de milhares de vidas.
Uma boa prova
Veja algumas dicas de como elaborar a avaliação escrita
em sala de aula, segundo diferentes autores
1 Ter clareza do objetivo de cada pergunta. É preciso
haver intencionalidade.
2 Buscar que sejam adequadas ao nível dos alunos, com
questões bem distribuídas, entre fáceis, médias e difíceis.
3 Elaborar as questões com perguntas que sejam
relevantes e evitar pegadinhas. Tem de ter um tema predominante. 4 Se possível, buscar contextualizar os problemas ou,
pelo menos, procurar apresentá-los de forma a provocar o raciocínio e evitar
somente respostas memorizadas.
5 Ser rigoroso com a linguagem, evitando perguntas
genéricas. O comando, ou seja, o que se quer de cada resposta deve estar muito
claro. Evitar o uso de questões com o uso de negativa, que posteriormente
prejudicam a análise da prova.
6 Ser coerente com as aulas e as estratégias previamente utilizadas nas aulas.
7 Evitar provas exaustivas, que demandam muito tempo de realização. Isso não contribui para a qualidade do instrumento.
8 Planejar a prova com antecedência, com tempo para reler as questões, refazê-las e depurá-las.
9 A escolha do formato deve estar a serviço do
objetivo. Questões de múltipla escolha podem ser tão boas com quatro opções do
que de cinco, por exemplo. Para o Ensino Fundamental I, é melhor utilizar três
alternativas; para o Ensino Fundamental II, quatro.
10 Atenção aos detalhes: cuidado com a correção
gramatical, e com o uso de gráficos com cores e tamanhos que depois podem ser
prejudicados na reprodução.
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