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terça-feira, 26 de agosto de 2014

A Escola às Escuras – Parte I – Prof. Julio Groppa Aquino

A Escola às Escuras – Parte I – Prof. Julio Groppa Aquino

Essa entrevista do Professor Julio Groppa Aquino, à Revista Carta Capital, publicada em 2005 continua atualizadíssima, o que nos mostra que, em se tratando de Educação,  as transformações não ocorrem na velocidade que gostaríamos, muito ao contrário disso, ainda mantém uma estrutura arcaica no seu modelo de administração e também de concepção teórica.
O texto merece a leitura e reflexão. Nele o professor questiona alguns mitos e estereótipos criados sobre a Educação e nos aponta caminhos para superá-los.
Como a entrevista é grande vamos postá-la no blog por etapas. Os grifos são nossos...
Leiam, reflitam e comentem!


A ESCOLA ÀS ESCURAS

Edição 364 - Revista Carta Capital

por Flavio Lobo

É preciso ter coragem para desmascarar esse estado lamentável das coisas na educação, seja particular, seja pública.” O educador Julio Roberto Groppa Aquino não fica apenas na convocação: sua análise sobre a escola brasileira é demolidora. Governo, empresários do setor, pais, professores, mídia especializada… Exceto pelos maiores interessados, e prejudicados, as crianças e adolescentes, nenhum grupo envolvido no processo é poupado. Aos 42 anos, Groppa assegura que, desde que começou a trabalhar com educação, há duas décadas, só viu a situação piorar.

Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, com doutorado feito na própria USP e pós-doutorado pela Universidade de Barcelona, Groppa é autor de quatro livros sobre o cotidiano escolar e co-autor de vários outros, entre os quais Em Defesa da Escola (Papirus, 2004). Além da docência na universidade, lecionou no ensino básico e hoje assina a coluna Quadro Negro, na revista Educação.

Nesta entrevista, Julio Groppa expõe o que considera a escuridão reinante no quadro escolar brasileiro. E não se furta a nomear alguns dos protagonistas do “desastre” educacional do País, resultante da manutenção de “mitos”, de palavras de ordem vazias, descaso, farsa e abandono.


CartaCapital: Quais são os maiores mitos em torno da escola brasileira?

Julio Groppa: O maior deles é o de que a educação seria o grande instrumento de ascensão social. Acredita-se nisso há séculos. A ideia de que a educação faz a diferença é a base do pensamento moderno. A ciência, a tecnologia, o progresso, tudo isso tem a ver com a ideia de educação como pilar. Tanto a esquerda quanto a direita repetem que a educação dos pobres melhora a vida deles próprios e do País. Parece-me um mito já de largada, porque a gente não vê isso acontecer concretamente aqui. O grande potencial de transformação social da educação, seu papel fundamental para uma melhor distribuição de oportunidades e renda, que ela desempenha em outros lugares, no Brasil não se realiza. A escola brasileira é cuspida e escarrada a realidade brasileira, com todas as suas injustiças. E não se trata de ela reproduzir a realidade brasileira: ela é a realidade brasileira. Há um mito de que existem ilhas escolares que são o luxo, associadas às escolas privadas, e, em volta, um grande aterro sanitário público onde depositamos as crianças pobres – porque, a rigor, as escolas se transformaram em lugares onde jogamos as crianças e depois de oito anos fazemos testes para ver no que deu. Só poderia mesmo dar nesse desastre que é a educação pública brasileira.

CartaCapital: Mas a ideia de que existem oásis de “luxo” educacional faz sentido? 

Julio Groppa:  Não. As escolas privadas transformaram-se em lugares de mero adestramento intelectual. Não há uma vírgula de diferença entre escolas de proposta x ou y. Em geral, todo o trabalho sustenta-se na ideia de transposição da informação enciclopédica que cai no vestibular. As escolas privadas tornaram-se treinadoras de prestadores de vestibular. E a expressão máxima disso são os cursinhos, essa excrescência da educação brasileira, cujos profissionais gozam, indevidamente, da fama de serem os melhores professores. Os cursinhos são tão-somente uma caricatura da escola privada. Ensinam o quê? A passar em vestibulares, que cada vez mais vão se sofisticando conforme o objetivo de excluir a grande massa da universidade pública.


 Carta Capital: Em termos de conteúdo não há diferenças? 

Julio Groppa: As escolas são lugares abandonados do ponto de vista intelectual. Nisso a escola privada e a escola pública não têm diferença significativa. A estratégia do abandono dos alunos da escola pública tem a sua contrapartida na teatralização da escola privada. Em ambas, pouco de inteligente se constrói. Dialogamos muito pouco com a cultura acumulada, sempre recomeçamos do zero. Uma professora espanhola que esteve aqui fez uma síntese da diferença entre a cultura escolar brasileira e a européia. Ela disse que, ao fazer uma comemoração, eles escolheriam o lugar mais antigo, de maior significado histórico. Aqui, escolheríamos o mais novo, o da moda. Nada tem lastro, continuidade. E é a educação que deveria promover esse lastro. É preciso pensar a educação com maturidade. Ao contrário disso que está aí: por um lado, um discurso espontaneísta, desarticulado e infantilizado. Do outro, ações “pragmáticas”, norteadas pela ideia de que educar bem é assegurar vaga na universidade. Meus alunos chegam à USP e não sabem escrever, raramente leem. Seriam reprovados num ditado.

Carta Capiotal: Para mudar isso, não seria preciso exigir o cumprimento de metas básicas, como a alfabetização dos alunos até uma certa idade?

Julio Groppa: Sim, precisamos de pactos éticos, políticos, civis e profissionais. O que você chama de metas para mim são princípios que têm de ser comuns aos educadores, antes de tudo. Vou dar um exemplo. No início da gestão do PT na prefeitura de São Paulo (no governo de Marta Suplicy), eu participei de um levantamento. As 900 escolas municipais de ensino fundamental foram divididas em 13 regiões e eu fui o responsável por uma delas. Conversamos com alunos, professores e funcionários para saber o que estava acontecendo e, em seguida, propor ações. Qual foi o problema que se impôs antes da abordagem de questões pedagógicas estruturais? O absenteísmo docente. Isso precisa ser dito: não conheço uma única escola pública que conte, em apenas um dia do ano letivo, com todos os seus profissionais presentes. Com esse diagnóstico, fizemos uma reunião com todas as escolas e eu propus um pacto de cem dias sem faltas. Fui vaiado por praticamente todos que lá estavam. Veja que eu estava defendendo um princípio. Os alunos têm o direito de ser atendidos, e da melhor maneira possível. Se os mesmos índices de faltas acontecessem na saúde, os hospitais seriam incendiados. Este, aliás, é outro engano: diz-se que a saúde e a educação do País vão mal. Mas não dá para comparar. A saúde funciona infinitamente melhor do que a educação. Se médicos ou enfermeiros faltam, a cobrança é mil vezes maior. É só um exemplo de um princípio essencial, o do atendimento sistemático. Na rede pública de educação, esse pacto nós já rompemos há muito tempo. Perdemos por WO.


- Esta entrevista continua num próximo post...


Um comentário:

  1. Texto ótimo pra ser discutido em reunião escolar. A escola que queremos cabe dentro das possibilidades limitadas e vigiadas a que somos submetidos pela própria estrutura educacional pública??

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